Os vizinhos se limitaram há algumas semanas de me cumprimentar para apenas depositar olhares de piedades em cima de mim quando me vêem inerte perto da janela sentada na mesma cadeira que há tempos eu te espero e imagino você entrando por aquele portão e me dizendo que dessa vez vai ficar pra sempre. Mas você não vem amor, e por isso eu tenho me sentido muitíssimo só.
Acordo cedo todos os dias, abro as janelas e contemplo as fagulhas de sol entrando aos poucos, iluminando toda a casa. Coloco uma Bossa Nova na vitrola e vejo ela dançando com o vento, preenchendo esses cômodos enquanto vou vestindo o meu melhor sorriso e dizendo a mim mesma que hoje você virá. Coloco as suas prímulas preferidas cor-de-fim-de-tarde em cima da mesa do jardim e vou à cozinha preparar o café. Amargo e forte, do jeito que sempre me pedia enquanto estava por aqui. E te espero amor, no meio dos meus livros rabiscados de anotações, das minha manias loucas, do cheiro de manhã que ainda não se fez por completa, dos meus medos bobos e infantis de não ser o suficiente, das minhas confusões diárias e a minha esperança de te ver chegar e, enfim, ficar. Mas você não vem. Dou um gole no café e penso em te ligar, mas o telefone já não dá mais sinal. Sinto vontade de me levantar e ir sentar na sala, ligar a televisão e ver qualquer coisa na tentativa de não reparar que de hora em hora os ponteiros do relógios parecem avançar cinco minutos, mas essas histórias televisionadas já não me ocupam mais. Vou até o quintal e pego o jornal na esperança de ler alguma notícia, mesmo que pequena num canto de página qualquer, com um sinal de que você está vindo. Mas os jornais são todos preenchidos pelo caos de um terceiro mundo que há tempos desconheço, portanto, permaneço aqui a te esperar. Mesmo que isso implique em aceitar os olhares de piedades que foram me dados e os que virão, distribuídos por pessoas que não sabem o prazer de ter um alguém, mesmo que longe, que vá tirar toda a solidão que existe dentro da gente. Te espero, amor, mesmo que não venha hoje e talvez também não venha amanhã e tampouco daqui há um mês. Mas te espero, porque sei que um dia, no meio dessa fumaça vaga que sai da minha xícara de café pra se dissipar com o vento vindo de um céu pintados por nós com tintas aquarelas, você vai aparecer. Te espero porque eu necessito do olhar terno, do abraço quente e da sensação de vazio cessar assim como o poeta precisa do amor - ou da ilusão dele - pra existir. E permaneço turva, lenta, dispersa, desfigurada, dilacerada, cansada e de esperanças acesas, a espera de você, que vai me resgatar e me tirar do abismo de mim mesma.


Alice,
Queria dizer sobre a sua voz mansa e a sua poesia. E de como, através dela, eu sentia que a vida seria mais fácil se eu sempre tivesse por perto essa poesia escondida atrás desses olhos que são os únicos que conseguem me enxergar como sou. Queria dizer mais sobre isso, mas empaco. Sinto aquela sensação de que as coisas deveriam ser ditas, mas na hora de reformular pra dizer - e nesse caso, escrever -, acabo me confundido e não dizendo nada. Ou até digo, mas nada do que está aqui preso, estagnado. E sufoca.

(Fato que, não pretendia começar assim. Cartas nunca foram meu forte, you know.)

As coisas andam complicadas demais e penso eu que isso nunca vai mudar. As vezes até gosto dessa confusão, gosto de ter que cumprir regras e me moldar pra ser, para os outros, algo que não sou. Isso tira o peso de cima de mim de ser eu mesma. Mas as vezes cansa, Alice. Tenho vontade de deixar as obrigações de lado, levantar as oito horas, fazer um chá e ir me sentar na varanda. Talvez adormecer, ler um livro, ouvir Chico, ou só ficar ali parada, eu-comigo-mesma. Você também sente isso?

Tenho aprendido com o tempo a esperar menos das situações. Isso é bom, não é? Perdi muito pensando no que minha vida poderia ser - e a vir se tornar - e deixei diversas oportunidades de fazer com que, de fato, ela seja algo. Me entende? Parei com isso. Aprendi, também, que o melhor caminho é aquele que faz nós mesmos nos encontrarmos um pouco mais a cada passo e, por isso, eu sigo. Mesmo que pareça estar tateando no escuro por alguma brecha de claridade. Mesmo que só, Alice.

Coloquei agora Los Hermanos pra tocar, e eles dizem baixo que só-o-amor-é-luz-e-há-de-estar-daqui-até-alto-e-amanhã... Solto um riso frouxo e perco o rumo da escrita em emaranhados de pensamentos. Volto a achar que as palavras não são - e que nunca serão - o suficiente pra mim. E fica sempre aquela sensação de que resta um pouco mais a dizer, a escrever, a sentir. E ser.

Então deixa assim, a sensação e o sufoco de palavras não-ditas. E por fim, como numa prece, eu repito seguindo o som da musica: dá-me-luz-ó-Deus-do-tempo...
(Dai-nos, pequena Alice.)

Avante!

Acordei as 05:40 pra estar as 07:00 horas em um lugar em que antes de chegar eu já vou estar desejando ir embora. Fui dormir pensando em não esquecer de colocar umas apostilas dentro da mochila e foram as mesmas que deixei em cima da mesa enquanto eu desenrolava os fios do meus fones de ouvido e saía apressada com o mesmo receio de sempre de chegar atrasada. Lembrei de uns meses atrás, em que eu acordei por volta do mesmo horário de hoje, sem despertador ou coisa-assim, e fui ver televisão com a minha mãe enquanto a gente conversava sobre qualquer coisa que naquela época eu considerava um problema. Meu celular toca e um cara que passa do meu lado no momento se assusta, e me olha com cara de quem suplicou ao relógio por mais 5 minutos assim que ele despertou. A mesma cara que eu devo estar, penso.
Desço ruas, subo escadas, ando por corredores, e uma colega quando me vê vem balbuciar qualquer coisa que tenha acontecido no seu fim de semana. Eu, ainda com os meus fones de ouvido, não presto atenção. Nunca presto, na verdade. 
O dia começa da mesma forma de todos os outros: rotina. Eu passo a mão no rosto e sinto falta de contar os meus pseudo-problemas pra minha mãe. Tenho vontade de levantar, inventar qualquer coisa como desculpa de ir embora pra moça que fica lá no corredor de cima, que sempre me pergunta como as coisas andam. Não andam, eu penso em responder. Nunca respondo. Em vez disso, retiro um caderno de dentro da mochila, pego uma caneta no estojo, faço um coque frouxo nos cabelos, olho o relógio na parede e começo a escrever isso que, por fim, você acaba de ler.
- É aquela história de cair sete vezes e se levantar oito, que te contei naquele sábado á tarde, lembra? Que entre um trago e outro do meu cigarro, e os seus goles lentos de um café já frio, eu repetia frases lidas em livros e citações de Bartlett's que eu costumava deixar por todos os cantos do meu apartamento. Você dizia que a literatura um dia iria me enlouquecer, - mal sabíamos que naquele tempo eu já era louca -. Mas não é sobre isso que eu quero te falar. Não hoje. Não agora. Quero dizer sobre como as coisas são passageiras demais, entende? Igual a esse momento, que ao final dessa frase já vai ter se tornado passado. Não, também não é assim que eu pretendia começar. É que as coisas se perdem rápido demais, cara. Quando reparamos, o mundo já dilacerou todos os nossos sentimentos e transformou tudo em pó. Não temos tempo pra mais nada, tampouco pra tristeza. Vê essa menina que passa agora do outro lado da rua, com um sorriso estampado no rosto? É a mesma que dias atrás chorou baixo num banheiro sujo achando que as coisas nunca iriam melhorar. Até cansar, limpar o rosto e continuar. A gente faz isso todos os dias, com tal naturalidade que nem nos damos conta. Porque a vida é assim mesmo, ainda não percebeu? Bicho de sete cabeças, planta carnívora, moinho de sentimentos.
Você entende o que quero dizer? Será que entende mesmo? E se no fundo, eu mesma não entender nada dessas coisas vagas, confusas e turvas que eu insisto em falar? E se, ainda mais no fundo, a salvação pra toda essa loucura seja procurar não entender nada disso? Quem vai dizer o que é certo, confirmar as minhas perguntas ou dizer que estou errada? Você? Eu? Ah, eu mesma já nem sei...

Rimos até os olhos enxerem de lágrimas quando lembramos daquele dia em que eu perguntei pra mulher na loja de bijuterias se tinha uma tal pulseira que eu queria, sendo que na verdade, essa mulher nem trabalhava lá. Eu penso então: amor é isso, não é? Rir dessas coisas, que me faz pensar se aqueles casais que a gente vê de mãos dadas passeado por ai também vêem graça, e se assim como nós, conseguem enxergar beleza nessas pequenas coisas.
Passamos a madrugada acordados e o dia inteiro dormindo, - acontece que aquilo de "trocar o dia pela noite" passa a ser uma das melhores coisas que existem quando as madrugadas são preenchidas por filmes vistos de mãos dadas e pernas entrelaças em um sábado as 02:30 -. Você faz manha quando quer alguma coisa só porque sabe que assim não vai precisar levantar pra pegar, eu passo shampoo no seu cabelo na hora de tomar banho enquanto a gente decidi o que faremos depois, até optarmos por não fazer nada. E tem aqueles dias em que eu acordo reclamando de qualquer fio de cabelo bagunçado, e são nesses mesmos dias que você me olha meio de canto enquanto eu mexo em qualquer coisa dentro do meu guarda-roupas, e vem pra perto me abraçar ou apenas continua ali, inerte. Eu não digo nada, nem você. E deveríamos?
A gente discute e eu faço birra. Mas de que importa? Dou no máximo dez minutos pra você deixar as batatas fritas que está comendo em cima do sofá junto com o seu orgulho, vir deitar do meu lado como quem não quer nada e eu dar risada, falando que ainda tô nervosa com você. Acontece que eu não estou, mas você sabe como eu sou e mais do que ninguém sabe das coisas que eu não gosto. Eu digo isso em voz alta e você faz aquela cara de quem queria dizer alguma coisa mas não diz, porque sabe como eu sou. Comento qualquer coisa sobre o programa que está passando na televisão e você vem mais pra perto, me abraça e eu penso em te perguntar: Amor é isso, não é? E antes mesmo de proferir a primeira palavra a resposta já vem na minha cabeça: não menina, Amor não é isso. Amor é o que existe dentro da gente, e por ser Amor, a gente não explica: a gente sente.


Faz algumas horas que estou parada perto dessa janela.
Sinto frio mais me contenho em ficar aqui deitada.
Inerte.
O telefone toca.
Uma, duas, três vezes.
O barulho me incomoda.
Eu continuo parada.
Do lado de lá dessa janela tem mentira.
O cinza impregnado em cada canto da cidade.
Em cada parte do corpo de cada pessoa.
Tem motorista xingando.
Mendigo entre uma rua e outra.
Trabalhador atrasado.
Prostituta cansada.
Tem fumaça.
Tem estresse.
Tem pessoas reclamando.
Da falta de tempo.
Da falta de dinheiro.
Reclamando só por reclamar.
Aqui dentro é diferente.
Tem o silêncio.
Tem a calma.
Tem o vazio.
E um corpo estagnado.
Perto de uma janela.